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Crise política causa brigas familiares e 'ânimo belicoso'

A escalada da crise política e a polarização revelaram o lado agressivo de parte dos brasileiros. Agora, há quem pense duas vezes antes de sair de casa de vermelho ou verde e amarelo.

(Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil/ Fotos Públicas 24/02/2015)


"Nóis mata você na porrada, tio", dizia uma das cerca de 60 mensagens recebidas pela professora de português Caroline Borges, 29, às 21h do dia 16 de março, uma quarta-feira. Naquela noite, seu celular tocou sem parar. Quando ela atendia, ouvia insultos.

Recuperada do susto e dos xingamentos, ela respondeu pacientemente a cada uma: "Não sou o Lula. Você anotou o número errado".


Um telejornal veiculara a transcrição das conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff sem ocultar o número de telefone usado pelos dois, como é praxe. Parte dos espectadores embaralhou o último número que teria sido usado por Lula –um 4 por 9– e chegou no telefone da professora.

Mas, mesmo após ler que aquele número não era de Lula, as pessoas continuaram a insultá-la. "Querem xingar alguém, não importa quem", diz ela, que ainda é adicionada a grupos de WhatsApp em que é atacada pelos participantes. Ela sai dos grupos, mas é adicionada novamente. "As pessoas se impõem. Não querem linchar sozinhas, querem linchar em grupo."

A escalada da crise política e a polarização revelaram o lado agressivo de parte dos brasileiros. Agora, há quem pense duas vezes antes de sair de casa de vermelho ou verde e amarelo, já que pessoas já foram hostilizadas na rua por causa da cor da roupa.

Intolerância

Só na semana passada: quatro pessoas pararam de carro em frente à casa do jornalista Juca Kfouri, colunista da Folha, gritando que ele era um "maldito, fdp e petista!"; uma pediatra interrompeu o atendimento a uma criança porque sua mãe é petista; um grupo anti-PT ofereceu R$ 1.000 para quem hostilizasse o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) no restaurante em que jantava; a editora 34 foi acusada de censura por declinar um romance do escritor Antonio Risério que criticava, de forma implícita, a campanha eleitoral de Dilma.

(A editora diz que não é censura: havia "problemas de ordem literária" no original submetido por Risério.)

Na semana anterior, uma peça em Belo Horizonte foi interrompida por vaias da plateia. Num improviso, o ator Claudio Botelho chamara Dilma e Lula de ladrões. O espetáculo foi interrompido.

O ministro da Justiça, Eugênio Aragão, falou em uma "psicose coletiva" no país. Essa intolerância política causou brigas entre familiares, fora as discussões pela internet.

Ter votado em Dilma em 2014 rendeu à mestre cervejeira Marcela Brandão, 25, o silêncio de sua irmã, 35, eleitora de Aécio. As duas não se falam há um ano. "Isso gerou um tabu", diz ela, que já não fala sobre política com a família. "Mas eles sabem que minha posição é oposta à deles e fazem questão de me afrontar indiretamente em almoços de família e no Facebook."

Na família da estudante de direito Roberta Souza (nome fictício –ela tem medo de retaliações em casa), 20, quem não foi a manifestações pró-impeachment levou bronca. Num almoço, o tio da estudante foi tirar satisfações com a sobrinha: Por que não tinha saído às ruas, se a gestão da presidente é péssima, assim como o estado da economia?

Contrária ao impedimento por achar que "pedaladas fiscais não o legitimam", Roberta tentou argumentar por meia hora, mas desistiu. Ela e a mãe, que deseja a saída de Dilma, não conversam mais sobre política em casa.

Para o economista e sociólogo Eduardo Giannetti, os ânimos no país são comparáveis àqueles que precederam o golpe de 1964 ou do período de mobilização pelas eleições diretas, em 1984.

Giannetti, que foi assessor de Marina Silva em suas campanhas para a Presidência em 2010 e 2014, diz que a crise econômica causa ansiedade e insegurança. Aliado ao conflito político, "exacerba um ânimo belicoso" em parte da sociedade. Para ele, a tecnologia é significativa para o processo de mobilização, mas "espalha os sentimentos de raiva com muita força".

Só se fala nisso

O feriado da Páscoa que se seguiu às semanas de noticiário quente, com a divulgação dos grampos de Lula e seu dia "ministro-não-ministro-ministro-não-ministro", foi um respiro para o professor de inglês Rodney Petrocini, 27.

"Me isolei em casa. Não queria falar sobre política com ninguém", diz. É sempre esse o assunto escolhido pelos estudantes nas aulas particulares que dá. Na terça passada (29), tentou evitar as notícias. Almoçava tranquilamente num shopping sem consultar o celular, quando entreouviu a conversa da mesa ao lado: o PMDB rompera com o governo. Conversa da maioria das mesas nos restaurantes, aliás.

"Estava almoçando com o pessoal do trabalho e só falamos sobre isso", comentou o economista Guilherme Augusto, 26, também na terça (29). "Como trabalhamos num banco, [a crise] afeta diretamente. O que me incomoda é a caça às bruxas. Em grupos de WhatsApp tá feio o negócio."

Para a dentista Treice Fagundes Lima, 30, que foi a manifestações pró-impeachment, é preferível que haja o máximo de notícias e discussões. "É bom para sabermos o que nos espera", afirma. Fonte: Folha de São Paulo
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